quinta-feira, novembro 22, 2007

Máquina de Sonhos - "As minhas tragédias"

Portugal era mais pequeno, uma pequena nódoa na Península Ibérica. Era constituído por um território maior que é aquele que conhecemos, que se localizava no canto superior esquerdo da península (mais disforme que o rectângulo que é na realidade), e depois havia um mais pequeno que para lá irmos tínhamos de atravessar Espanha, ficava no canto inferior direito da península. Essa porção de território pertencia a Portugal, como a Irlanda do Norte para a Irlanda, e era onde um dia descobrimos a Vila de Alfornelos.

Era domingo de manhã. O Tiago quis levar-me a passear, e pegámos no Renault 19 para viajarmos a uma larga distância sem rumo. Demos por nós em terras espanholas, e o Tiago disse "Porque não vamos até Alfornelos? Dizem que é giro e é perto da praia... Já que nunca lá estivemos, podemos lá ir espreitar.". Eu Concordei e lá fomos nós para Alfornelos. A vila era linda, tinha muitas vivendas limpas e coloridas, sem a pintura a descarcar, via-se que estávamos fora do Portugal que conhecíamos. Em aspecto, veio-me agora à cabeça, fazia lembrar a cidade fantasma da "Viagem de Chihiro" mas alegre. E não era nada fantasma, havia pessoas na rua que nos falavam ao passarmos. Era tudo muito organizado, com uma praça central muito bonita, onde podíamos ver que nessa noite ia haver festa. Vimos cartazes por todo o lado a anunciar a vinda de cantores pimba e outros não pimba, talvez até lá estivesse o José Cid.
Entretanto, demos connosco na casa de uma senhora muito simpática - com um sotaque diferente, e que possivelmente tinha uma bata daquelas de quem faz limpezas em casa - que nos convidara a entrar para lanchar. Não me lembro exactamente o que era o lanche, mas era capaz de haver chouriço, o que implica que eu deveria estar a comer só pão com queijo - o Tiago gosta muito de chouriço. Mas lembro-me que havia chá. Estávamos virados para uma mesa de madeira, redonda, ao nível dos joelhos (era uma mesa de centro de sala), adornada com um vaso de flores de plástico em cima de um napron poeirento, afastada do espaço que continha o nosso lanchinho gentilmente oferecido. A senhora estava a meter conversa connosco, sentada num banquinho que era uma versão mini da mesa de centro - redondo, com umas pernas muito curtinhas, - mas esse banco estava perigosamente apoiado num degrau das escadas que provavelmente davam para os quartos. Nós estávamos sentados em bancos iguais mas em terreno fixo. Falava-se de onde éramos, se gostavamos da cidade, e das diferenças entre o nosso Portugal e o deles. No meio desta estadia, fomos à rua pela porta da sala, e vimos que estávamos numa espécie de terraço que mais parecia uma ponte larga entre esta e a casa vizinha. Ficámos então no centro dessa ponte, que por sinal era muito alta, sentados em cadeiras de ferro preto de jardim, a olhar para o céu cor de laranja e azul, com a praia de frente. Fazia lembrar quando estivémos na Zambujeira a ver o pôr-do-sol, com a vista da praia a ficar cada vez mais escura debaixo da sombra das nuvens.
Mais tarde, despedimo-nos da senhora e da sua hospitalidade, e fomos dar uma volta à rua. Já era de noite. Estávamos apaixonados pela vila, pelas pessoas, pelo ambiente simpático e estávamos a ponderar ficar lá essa noite. Gostaríamos de ficar e ver a festa, mas principalmente o Tiago queria provar a pinga. Ele foi ao Multibanco ver se tinha dinheiro, e viu que realmente tinha. O problema era que no dia seguinte era segunda e tínhamos de ir trabalhar, mas a vila chamava por nós. Telefonei à Catarina para saber o que ela achava e ela não deu uma resposta muito segura "Epá, não sei, era fixe, mas realmente vocês têm de ir trabalhar amanhã, é complicado... Mas era muito fixe, já que estão a gostar, não sei, é sempre uma coisa diferente..." Fiquei na mesma.

O sonho acabou assim, sem saber como seria a nossa vida nesse dia, permanecendo nesse impasse para sempre, a Sílvia com as suas indecisões eternas. Mas descobrimos um novo Portugal, simples mas mais bonito, mais mágico e colorido, uma terra feliz onde já não me importaria de ter de ir morar para longe.
Música de fundo (acordei a cantá-la): Nick Cave & The Bad Seeds - God Is In The House