quarta-feira, outubro 18, 2006

Outubro, mostra-me as tuas asas

Outubro castanho, cinzento. Amarelo ainda, quando os raios batem devagarinho e ainda fazem descer umas gotas de suor por baixo dos casacos de malha, camisas coladas à pele de quem anda como corre.

Anda-se, anda-se, por vezes suspira-se. O caminho nunca se esquece, esse está escondido no subconsciente e leva-te por ruas já conhecidas desde há muito tempo. Chegas, dizes olá, vês os rostos conhecidos e sentes-te confortável, como estou hoje? e assim, ficas, vais ficando, o ar passa por ti como dias.

(Que novidade me reservas hoje? Cantas para mim? Fazes-me uma surpresa? Lembras-te de mim?)

(Ainda precisamos de uma canção, e eu lembrei-me.)

Outubro cinzento, castanho, amarelo. Hoje, o passado não é mais que a nossa sombra.


Asas grandes e brancas arrancam-me da cadeira giratória e levam-me para outro lugar. Oiço de repente o apito que me gela o peito e sinto-me flutuar, para onde as asas me levam. Vejo as luas e montes, sinto o quente da lareira e o frio quando toco na janela. Quase que nos oiço respirar. Por vezes, eis que surge um reflexo condicionado que me faz palpitar quando o som não era mais que qualquer outra coisa insignificante...

Mais um dia, outro, e uma semana, e mais um mês. Consegue a águia manter-se atenta e hábil? Consegue a música trazer-me a ti, a coisa alada, para sempre? Mostram-me sons nunca ouvidos com tanta atenção, e os relâmpagos que tenho ouvido?

Houve uma que gritou:"Quero divertir-me e brilhar como o sol" "Quero fazer-te sentir livre"
Mas outra suspira agora: "Não me deves tocar, volta amanhã"

(Ainda queres dançar comigo? Sabes se já encontrámos a canção? Gostas desta?)

Este Outubro vai passar... mas foi ela que há instantes me disse: uma mão não sabe viver sem a outra.
E eu acreditei.

3 Comments:

At 07 novembro, 2006 14:38, Blogger Mendonça said...

O tic-tac pessoal de cada um pode ouvir-se mais ofegante ou mais pausado, dependendo da capacidade e/ou oportunidade para flutuar no céu até mundos distantes, mais coloridos e maleáveis do que os ditados pelos ponteiros tiranos do dia-a-dia.
Mundos onde podemos agarrar em mãos pequeninas e subir a árvores de ramos infinitos e incrustados de jóias, onde o tempo passa depressa e devagar ao mesmo tempo e onde as águias (serão anjos?)tocam e cantam, dia e noite. Vamos dançar, Sybil Vane? Qualquer música serve...

 
At 09 novembro, 2006 00:11, Blogger david santos said...

Vane, o seu trabalho está lindo, tem de ser publicitado.
Parabéns.

 
At 27 dezembro, 2006 20:45, Blogger linfoma_a-escrota said...

Corre rápido antes que o dia desvaneça
e acorde de novo deprimido ou alegre,
consoante a Lua, os lacraus, o liceu dos ciclos,
um Sol rebentou algures fresco e esquecido e
será como nós, tomará ansiolíticos contra
a pressa abominável de terramotos passados
que voltam como cestos castanhos e descosidos
pela chuva, o fogo, a humildade e o carbono,
cada transcendência fica exausta, sem tónicos,
fala do que não sabe para se ouvir e saber que não sabe,
sem paciência estamos dependentes da ciência
já construída, suplementos maníacos perdidos,
busca pus, derrota a partida dos pulsos verticais,
cria teu próprio punho e intima as indicações
com sugestões vindas da contusão sentida,
de olhos fechados, sabes que perderás as fotografias
e tudo decorre exactamente dessa maneira,
só existe livre-arbítrio no acaso totalitário
quando sucede autêntico encontra-lo de volta,
vai petiscando em todos os recantos pois
será sempre diferente cada queijo ou inchaço,
tocam à campainha sem desistir de apagar o fogão,
cozinhas sorriem por tudos-nada de dromedários,
é surreal sempre, queima troncos em imitações,
assimila benfeitores que se enfureceram sem juízo
e prejudicaram admiradores comilões na descoberta,
vinga-te se fôr preciso, foste seca banana oxidada
num som situacional da vida mascarada, sê,
implode montanhas monstruosas, cria a lacuna,
milhões delas, pára de te queixar vítima de espelhos
ou das ninharias de hálitos privativos, higiénico
junta-te às vírgulas que te querem encolher,
sem saberem, fazem lá ideia, têm certezas
impecáveis e engomadas nos ilhéus de Urano
que, também tentou ser melódico ataque de pânico
contemporâneo, mas ficou-se esverdeado pálido e
ultrapassado sem nenhum familiar por que chorar,
o pequeno mutante de goleadas é trapaceiro,
nómada insuportável ostracizado sem grande hipótese
de que sua fome roubada seja compreendida,
continua e continua e continua até que
a autenticidade instável tomará em conta
a radiação tão voraz da mesma raíz,
silenciosa e recalcada, a casa eléctrica
vai balançando entre ameaças reencarnadas,
pelas noites recorrentes
sem luz
cem luzes brilharam
no escuro da reunião
das galáxias.

joão meirinhos 2004 in trepidação/trepanação (ou a ausência de evolução)

p.s. a vida é arte e a arte não é uma competição, é partilha, o teu texto é lindo, fez-me lembrar:

 

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